terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Tertúlia BDzine nº 159


 


O Tertúlia BDzine é, no fanzinato português, o fanzine com mais números publicados, sendo o 184 o mais recente, datado de Novembro 2016. Faz parte da actividade editorial amadora da Tertúlia BD de Lisboa, associação informal com encontros mensais desde Junho de 1985, frequentada por gente que tem a ver com banda desenhada - autores (argumentistas e desenhadores), editores (profissionais e amadores), livreiros, fanzinistas e coleccionadores.

O nº 159 que aqui se apresenta tem data de Maio de 2011, sendo composto por uma banda desenhada (argumento e desenho) de Nuno Duarte "Outro Nuno" (1), em que ele próprio (muito bem auto-retratado) é personagem principal da curta de banda desenhada "Eu Sou Uma Nódoa ou, prontes, tá bem Lino, eu faço uma BD".

Lemos os seus pensamentos - é fácil, basta ler as legendas que inscreve nos cartuchos (2) - e acompanhamo-lo nas suas angústias de criatividade do autor perante o espaço em branco, (ou no papel ou no suporte virtual da Net), em especial no que tem a ver com a componente do argumento/guião. Porque, na realidade, em termos de desenho, Nuno Duarte não tem qualquer hesitação nem as antes citadas angústias de criatividade, ele desenha como respira.

E afinal, inteligentemente, o autor (argumentista/desenhador) acabou por criar, à base das dificuldades de que se queixa ao longo das quatro pranchas, uma trama que provoca ávida curiosidade no leitor/visionador à espera do resultado da tarefa a que o autor meteu ombros, mas que afinal nunca se desenvolve nem resolve. Também é verdade que, depois daquele começo arrastado e angustiado, seriam necessárias mais outras quatro pranchas para a trama se deslindar...

Quem conhecer o Parque Mayer, antes um espaço emblemático de Lisboa e agora reduzido ao Cine/Teatro Capitólio e ao único restaurante que lá continua, teimosamente, a existir, reconhecerá o "A Gina" no retrato que fez Nuno Duarte na última vinheta da excelente curta de BD. 

Ficha técnica
Tertúlia BDzine
Nº 159 - Maio de 2011
Colaboração de: Nuno Duarte, autor da bd "Eu Sou Uma Nódoa"
Formato do zine: 4 folhas A4 (uma folha A3 dividida ao meio)
Cópia digital a preto e branco
Fanzine aperiódico
Editor: Geraldes Lino
Tiragem: 100 exemplares
Distribuição gratuita na Tertúlia BD de Lisboa

Nota do blogger: Este fanzine, editado já quase há seis anos, insere-se numa retrospectiva, aleatória, que estou a fazer tentando completar a amostra de zines portugueses de BD que já existia mas que se perdeu num apagão do presente blogue.

   

(1) Quando este desenhador começou a fazer bandas desenhadas, assinando Nuno Duarte, chamei-lhe a atenção para o facto de na área da BD haver, já alguns anos, um argumentista com esse mesmo nome. 
Com alguma relutância, e até algum desgosto, ele passou a assinar com o pseudónimo "Outro Nuno". 

 (2) Cartucho, na nomenclatura da BD, é o espaço fechado geralmente em forma de rectângulo, que contém descrições do narrador ou mesmo pensamentos das personagens.
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Os visitantes deste blogue que queiram ver as postagens anteriores dedicadas a este fanzine, poderão fazê-lo clicando no item Tertúlia BDzine visível em rodapé 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Livros sobre Fanzines, Os meus (III) - The World of Fanzines - Autor: Fredric Wertham




The World of Fanzines - A Special Form of Communication é um livro importante para o conhecimento do fenómeno fanzinístico, além de ser, se não o primeiro, um dos primeiros estudos acerca do tema, tendo sido editado em 1973.

Fredric Wertham (*), médico psiquiatra americano, foi autor de várias outras obras: "The Brain is an Organ", "Dark Legend", "The Show of Violence", "Seduction of the Innocent", "The Circle of Guilt", "The World Within" (com Mary Louise Aswell) e "A Sign for Cain".

Para os apreciadores de Banda Desenhada, Wertham é um nome com ressonâncias bastante controversas. O ataque que desferiu, no seu livro "Seduction of the Innocent", contra os "comics" americanos, considerando-os perniciosos para a juventude, acusando-os de males psicológicos causáveis aos leitores de bandas desenhadas de cariz violento e que à violência incitariam, teve influência no aparecimento do Comics Code Authority, conjunto de regras que impunham normas moralizantes para os autores/artistas, e transversalmente para as próprias editoras, bem como para as Syndicates (não sindicatos, como por vezes há quem traduza, mas sim agências) dos Comics, ou seja, da Banda Desenhada americana.

Capa realizada por Roy G. Krenkel para o fanzine "Comic Fandom Monthly" (datado de Out. 1971), reproduzida no livro "The World of Fanzines", que Fredric Wertham terá consultado para tomar conhecimento de um fenómeno fanzinístico que tanto o surpreendeu

Curiosamente, numa fase já bem madura da sua vida - contava setenta e oito anos, quando foi editado o The World of Fanzines -, Wertham debruça-se sobre este tipo de publicações onde, entre os seus temas, constava a Banda Desenhada.

Obviamente que isso não implicou a alteração dos seus pontos de vista, mas é curiosa a forma positiva como encara os fanzines nesta obra inesperada na sua bibliografia.

Alguns excertos do estudo:

"(...) Briefly defined, fanzines are uncommercial, nonprofessional, small-circulation magazines which their editors produce, publish, and distribute. They deal primarily with what they call fantasy literature and art. The fact that they are not commercially oriented, may come out irregularly, and are privately distributed differentiates them from the professional newsstand magazines. (...)"

"(...) There are several reasons for the general neglect of fanzines. One is that they are unconventional and, as D.H. Lawrence wrote, "men can only see according to a convention." Another reason is a certain intellectual snobbishness which is certainly not alien to our literary and academic establishments.
How did I get interested in this subject? My acquaintance with fanzines began long before I knew the term. In 1942 in connection with a discussion of the problems of the relation between psychology and literature and myth and reality, in my book Dark Legend (1941), a young man showed me copies of a small amateur journal which had started publication in the late thirties. It dealt with science-oriented Utopian fiction. Only much later did I realize that it belonged to a distinct variety of publication, that it was, in fact, a "fanzine". (...).

"(...) When the first amateur fan magazine was actually called a fanzine is not quite clear. (**) According to Linda Bushyager, in Granfallon 9, quoting Bob Tucker, an authority on early fantasy amateur publications, the first one came out in 1930. It was called The Comet and dealt with science and science fiction. (...)" 

"(...) Prozines, as opposed to fanzines, are magazines written by professionals. A prozine critic may have a very different from a fanzine one. (...)"   
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(*) Fredric Wertham (1895-1981) nasceu na Alemanha, em Munique. Estudou no londrino Kings College, e nas Universidades de Munique e Erlangen (ironia do destino: um homem, nascido alemão, que tanto atacou a BD, estudou na cidade universitária de Erlangen, que hoje é bem conhecida pelo seu importante festival de Banda Desenhada, provavelmente o mais importante que se realiza na Alemanha).

Terminou o seu curso em 1921 na Universidade de Würzburg. Em 1922 mudou-se para os Estados Unidos, onde obteve a respectiva nacionalidade em 1927.

The World of Fanzines: A Special Form of Communication, editado pela Southern Illinois University Press, em 1973. Esta é a data que consta no meu livro, contrariando a de 1974, registada num extenso e aparentemente bem documentado artigo escrito por Dwight Decker, consultável na Internet.

Este Dwight Decker, que em 1969 era um apreciador de fanzines, considerando-os veículos de expressão pessoal - ele próprio editor de um, intitulado "Torch" -, chegou a corresponder-se com Wertham, na mira de o entrevistar para aquele seu fanzine.

O curioso é que o psiquiatra mostrou-se interessado no tema, tendo começado a contactar faneditores para lhe fornecerem os respectivos zines, e foi assim que obteve material para escrever o livro "The World of Fanzines".

(**) Muito posteriormente à publicação deste estudo, soube-se que o neologismo fanzine tinha sido criado em Outubro de 1940 por Louis Russel Chauvenet, americano de Boston, no seu próprio magazine amador intitulado Detours. Consta que terá ocorrido a Russ Chauvenet a noção de que quem editava este tipo de magazines eram os fãs de vários temas, designadamente de banda desenhada (comics) e de ficção científica. Daí ter-lhe ocorrido fazer a contracção da palavra fan (de fanatic, no sentido positivo de entusiasta) com as duas últimas sílabas de magazine, o vocábulo que também foi muito popular na Europa nas décadas de cinquenta e sessenta, depois substituído e praticamente eliminado em Portugal pelo vocábulo revista.